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ÍNDICE por Jan Hunt, Psicóloga diretora do "The Natural Child Project" Esse é um recado para os pais que defendem a surra com base em crenças religiosas. Eu considero esse argumento enganoso, uma vez que a Bíblia considera que amar é ser paciente e bondoso (1). Bater em uma criança não é paciência nem bondade, e não atinge o objetivo almejado. Provoca raiva, ressentimento e diminuição da auto-estima, e não a cooperação voluntária e sincera que os pais esperam. Um adulto também é capaz de colaborar com alguém que o ameaça ou agride, mas fará isso por medo e somente se a outra pessoa tiver mais poder que ele. A cooperação sincera vem do coração. A colaboração da criança só faz sentido se for voluntária, não motivada pelo medo de desobedecer - por sentir-se amada, repeitada e compreendida e querer retribuir aos pais seu amor e respeito. Às vezes os pais justificam as surras dizendo que agiram quando estavam "calmos". Embora eu preferisse que os pais jamais batessem nos filhos, seria melhor saber que só deram a surra por estarem bravos; pelo menos faria algum sentido para a criança e estaria de acordo com o que ela vai descobrindo sobre a natureza humana. Se o pai ou a mãe estiverem mesmo "calmos", eles devem ser capazes de pensar com clareza e encontrar um modo mais criativo e positivo de resolver o problema. Qualquer castigo é perigoso e deforma a mente e as emoções da criança. Associar um suposto "amor" à dor deliberadamente infligida pelos pais é altamente conflitante para a criança, pois as crianças sabem, em seus corações, que amor e dor são inconciliáveis. Esse tipo de confusão, se repetida com freqüência, pode originar na idade adulta comportamentos masoquistas, sádicos ou outros tipos de desvio em que o amor é associado à dor . Seria útil considerar os motivos mais comuns para uma criança comportar-se "mal" (2) : A criança está tentando preencher uma necessidade legítima que foi ignorada por muito tempo: Ela pode estar com fome, com sede, exausta ou simplemente precisar de um abraço reconfortante ou de um ouvido atento. Essas necessidades são facilmente preenchidas se a criança não tiver que esperar demais (na verdade a maioria das crianças é surpreendentemente paciente), mas se forem constantemente adiadas podem causar uma verdadeira guerra, com birras, gritos, pontapés e outros tipos de mau comportamento. Uma fração de segundo pode ser o fim do mundo... A criança não tem as informações necessárias: Uma criança de 2 anos tenta mexer numa panela quente porque ignora o perigo; uma de 5 "pega" alguma coisa na loja porque ainda não entende o que é roubar e outra menor corre para a rua porque ainda não compreende bem o perigo. Se a criança se comporta mal por falta de conhecimento, é nossa responsabilidade ensiná-la, e não esperar que a criança saiba aquilo que não aprendeu. É injusto e inútil castigar uma criança quando ela não tem o conhecimento adequado da situação, e a criança castigada estará muito distraída com sua raiva, ressentimento e fantasias de vingança para aprender a lição almejada. Desse modo, o castigo desvia a atenção da criança e prejudica o aprendizado - exatamente no momento em que seria mais fácil para ela aprender. A criança está sofrendo, física ou emocionalmente: Ela pode estar confusa ou decepcionada, sentindo medo, raiva, inveja, ou qualquer emoção mais forte provocadada por algum fato acontecido logo antes de seu mau comportamento. Pode estar se sentindo mal porque está para ficar doente, ou irritada devido à histamina liberada por alguma doença alérgica. Não é tão difícil compreender os motivos do comportamento de uma criança ( ou mesmo de um adulto) se tentarmos nos colocar em seu lugar. Crianças não são seres alienígenas; assim como os adultos, comportam-se tão bem quanto são tratados. Se tentarmos mudar o comportamento de uma criança sem atentar a esses sentimentos e necessidades naturais, universais e compreensíveis, não vamos conseguir ajudar a criança pois o problema verdadeiro não foi resolvido. A criança não aprendeu nada sobre como lidar com o mesmo problema no futuro. Uma surra não tem nenhum conteúdo educativo em si, e qualquer coisa - construtiva ou não - que se fale na ocasião, não será compreendida por uma criança assustada, brava ou ressentida. E assim se desperdiça a ocasião mais oportuna para que a criança aprendesse algo importante. Obrigar uma criança, impondo nossa força e tamanho, a agir de acordo com nossas necessidades, não resolve o assunto que realmente causou um determinado comportamento. A atitude indesejada - ou qualquer tipo de mau comportamento - irá se repetir até que as necessidades legítimas da criança sejam satisfeitas, seus sentimentos compreendidos e aceitos e ela entenda que é verdadeiramente amada e protegida. Uma vez ou outra é inevitável que as necessidades das crianças entrem em conflito com as nossas, mas a culpa não é da criança - assim como quando as necessidades de dois adultos são conflitantes. A diferença é que os pais estão em uma posição de poder da qual podem - mas não deveriam - abusar. É errado e injusto que o forte vença o fraco pela força: existe sempre uma alternativa. Se usarmos nossa criatividade, poderemos resolver os conflitos de um modo positivo e bondoso. A negatividade e a força bruta só aumentam o conflito. Por isso o castigo e o mau comportamento criam um círculo vicioso em que pais e filhos ficam presos em uma luta de poder. Os pais, que têm mais poder devido a seu tamanho, seu papel social e leis unilaterais que protegem os adultos - mas não as crianças - contra a agressão física, sempre podem ganhar a briga, pelo menos até que o filho chegue à adolescência e seja suficientemente forte fisicamente para se rebelar. A única mensagem do castigo é a rejeição. A dor insuportável de ser rejeitado por aqueles que são tão importantes para a sobrevivência da criança irá obrigá-la a negar seus sentimentos verdadeiros. Como é doloroso demais acreditar que pais amados a estejam ferindo deliberadamente, a criança começa a crer que o castigo é o modo certo de agir, que uma criança se comporta mal porque é "ruim" e que a criança "ruim" merece ser maltratada. É assim que idéias falsas sobre o comportamento da criança e o modo de agir dos pais passam de uma geração a outra. Uma vez que as crianças aprendem melhor pelo exemplo, uma orientação amorosa consiste em mostrar paciência, confiança, aceitação e compreensão à criança. Uma criança que é castigada com freqüência pode parecer "colaborar" superficialmente, mas a raiva e o ressentimento reprimidos - a não ser que sejam reconhecidos e tratados diretamente - podem se acumular ao longo dos anos até que a criança se sinta forte o bastante para expressá-los àqueles que o feriram: adolescentes irados não surgem do nada. Nesse momento os pais desistem da "disciplina" porque "não funciona mais". Mas os pais bondosos que tratam seus filhos com respeito, compreensão e explicações pacientes, descobrem que seu "método" continua funcionando - desde a mais tenra infância até a adolescência e na idade adulta. Quando, mais tarde, os pais necessitam de cuidados, a criança retribui com alegria o amor e a atenção recebidos na infância. Podemos confiar que a delicadeza que dispensamos a nossos filhos pequenos será retribuída em dobro. Infelizmente também é certeza que o castigo vai perpetuar a angústia às futuras gerações. (1) Coríntios, XIII.4. (2) Adaptado de Solter, Aletha "The Disadvantages of Time-Out" Mothering 65 (Winter 1992): 38-43. voltar para cima ÍNDICE |