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ÍNDICE INTERVIR EM FAVOR DE UMA CRIANÇA EM LUGAR PÚBLICO - 1a parte: CABE A NÓS INTERFERIR?por Jan Hunt, Psicóloga diretora do "The Natural Child Project" Acontece em qualquer lugar. Um pai ou uma mãe cansados depois de um dia difícil, perdem a paciência - e a criança é quem sofre. Gostaríamos de ajudar, mas hesitamos. O que temos a ver com isso? E se ao interferir envergonharmos ou irritarmos ainda mais o pai ou a mãe, piorando assim a situação da criança? Não vamos cometer o erro de nos dirigirmos rudemente à mãe pedindo que ela seja delicada com o filho? Não é mais diplomático passar direto sem se manifestar? Afinal, também não somos pais perfeitos. Em nossa sociedade parte-se do pressuposto de que interferir em favor de uma criança em local público é uma atitude acusadora e ofensiva. Mas não precisa ser. Há uma grande diferença entre uma intromissão ofensiva ("Como ousa tratar seu filho assim?") e uma intervenção solícita ("Fica muito difícil cuidar deles quando se está tão preocupado") . O fato de se oferecer ajuda à mãe, ou assistência à criança, não precisa ter em si um caráter ofensivo. Eu mesma já consegui intervir com sucesso oferecendo-me para encontrar as compras de uma mãe, ajudando uma criança a recolher seus brinquedos do chão e auxiliando uma mãe a vestir um garotinho cansado. Todas as mães ficaram sinceramente agradecidas e imediatamente começaram a tratar os filhos com mais compaixão. Levo sempre comigo algumas figurinhas coloridas, que distraem num passe de mágica uma criança cansada, entediada ou agitada, cujos pais estejam exaustos demais para tratá-la com paciência. Quando a criança se alegra com o presente inesperado (não só a figurinha mas a atitude delicada e o contato olho-no-olho) os pais geralmente se acalmam e até se sentem um pouco revigorados com a experiência. Podemos interferir de um modo positivo e passar a mensagem de que nos importamos tanto com a criança quanto com o pai ou a mãe. Muita gente também parte do pressuposto de que temos duas alternativas: passar uma mensagem ao pai ou à mãe (e à criança) ou não passar mensagem alguma. Mas não existe essa alternativa de "não passar mensagem alguma". Nossa mensagem é tão clara ao passarmos ao largo de uma criança transtornada quanto ao pararmos para ajudar. Passando direto, a mensagem para a criança é que ninguém se importa com seu sofrimento e para os pais, que aprovamos sua conduta. Já me perguntaram se eu defendo a intervenção em qualquer caso de abuso em potencial, por exemplo uma criança com olhar triste; é evidente que não. Mas existe uma grande diferença entre uma criança triste sem motivo aparente e outra que chora depois de apanhar, ser xingada ou ter sido ignorada pelos pais. Porém, mesmo que um bebê esteja chorando por razões misteriosas, os pais talvez aceitem de bom grado alguma ajuda. Oferecer nossos préstimos em tom amistoso não significa que estejamos julgando ninguém e, na minha experiência pessoal, é sempre uma atitude bem recebida. É uma pena que o tabu da intervenção em lugar público impeça os pais de ajudarem uns aos outros em situações difíceis. Os bebês podem ter muitos motivos para chorar; não podemos inferir que os pais sejam culpados a partir apenas de evidências circunstanciais. Mas eu e meus colegas já presenciamos algumas atitudes francamente agressivas: tapas, pancadas, empurrões, puxões de braço, prender contra a parede, xingamentos e outros abusos verbais, comparações maldosas com irmãos mais velhos e daí por diante. As crianças aceitam ser tratadas assim porque são desamparadas e inexperientes, não podem defender a si mesmas. E nós, que somos mais experientes e capazes, devemos passar ao largo de uma situação nitidamente abusiva? A partir de que ponto deveríamos interferir? Vamos esperar até que a criança sofra uma agressão física mais séria? Na verdade a agressão tem muitas faces. O fato de o abuso emocional não deixar cicatrizes não nos isenta de prestar auxílio a essas crianças. Qualquer um que testemunhe um ato nocivo tem a obrigação de interferir (novamente aqui, a intervenção pode ser prestativa e bondosa). Existe mais um motivo para a intervenção, geralmente esquecido nesse tipo de argumentação, mas que para mim é o mais importante: é o efeito duradouro que ela pode ter sobre a criança. Em sessões de psicoterapia alguns adultos recordam com gratidão a única ocasião em que um estranho interferiu em seu favor, e o quanto isso significou para eles: alguém se importou com a criança, reconhecendo sua raiva e frustração. Assim como outros psicoterapeutas, eu já escutei adultos dizerem que uma única intervenção como essa mudou suas vidas, dando-lhes esperança. Será que podemos nos furtar a operar uma mudança tão profunda na vida de uma criança? Mesmo na situação infeliz - ainda que rara - em que o pai ou a mãe se ofendem, a intervenção ainda funciona como um lembrete para que esse pai ou essa mãe prestem mais atenção ao modo como estão tratando seu filho. Histórias de pacientes psiquiátricos mostram claramente que os psicopatas adultos foram crianças maltratadas no passado. Não existe máquina do tempo para ajudarmos as crianças do passado. Mas podemos ajudar as crianças de hoje a se tornarem adultos responsáveis e seguros que tratarão seus filhos com dignidade, amor e compaixão. voltar para cima ÍNDICE |